A incrível trajetória de Conde Koma, o homem
que trouxe o Jiu-Jitsu para o Brasil.
Conde Koma |
“Estima-se que Conde Koma tenha feito entre mil e
duas mil lutas, enfrentando wrestlers, pugilistas e praticantes de outras
lutas, sem perder um único combate”.
Muita gente sabe que foi o paulista Charles Miller
quem trouxe o futebol para o Brasil. Só não se consegue achar em nenhuma
enciclopédia esportiva registro oficial ou relato de testemunhas que comprovem
que Miller era um exímio praticante do esporte bretão.
O mesmo não se pode dizer daquele que trouxe o
Jiu-Jitsu para as terras brasileiras. Conhecido por essas bandas pelo nome de
Conde Koma, Mitsuyo Maeda beirava a perfeição quando o assunto era derrotar os
outros em uma luta. Antes de desembarcar em terras tupiniquins em 1914, Maeda percorreu o mundo provando que sua arte era superior
às demais. Uma história de vida única e fascinante, que merece ser contada em
detalhe nas linhas que se seguem.
Mitsuyo Maeda nasceu em 1878 em uma pequena cidade
chamada Aomori, localizada ao norte da ilha japonesa de Honshu e conhecida pelo
forte frio que faz no inverno. Como a pobreza assolava a região no fim do
século XIX, muitos moradores se mudavam para Tóquio ou para outras cidades na
tentativa de ganhar dinheiro e fugir do inverno. Felizmente, esse não foi o
caso de Maeda, mandado pela família para estudar na escola da elite local, a
Hirosaki Junior High School. Mitsuyo lá ficou até o ano de 1886, quando passou
a estudar na Waseda High School, em Tóquio.
Entre os amigos, era conhecido pelo apelido de
menino-sumô, em razão de seu grande fascínio pela arte que lhe fora ensinada
por seu pai e das várias lutas que vencia contra colegas de escola.
Na época da universidade, Maeda foi estudar na
Tokyo Specialist School (que hoje tem o nome de Waseda University e é
reconhecida como bom centro de ensino) e lá entrou para o clube de judô. Ao
mesmo tempo, ele começou a frequentar a Kodokan – famosa academia de judô que
permanece em funcionamento até os dias atuais – e ter aulas com Tsunejiro
Tomita, primeiro aluno da Kodokan.
A Kodokan foi fundada por Jigoro Kano, um estudioso
que juntou vários estilos do Jiu-Jitsu antigo para criar o judô, arte que
posteriormente se modernizaria tornando-se um esporte de muitas quedas, algumas
imobilizações, mas nenhum soco ou chute. O auge do esporte ocorreu em 1964
quando recebeu o status de “olímpico” ao fazer parte dos Jogos de Tóquio. Mas
isso aconteceu muito depois do tempo de Maeda e Kano, que praticaram um esporte
que era a mistura de Jiu-Jitsu e judô. Ambas as artes tinham elementos e
técnicas de atemi e ukemi, herdados das antigas batalhas de samurais, que
tinham de saber o que fazer depois que suas espadas quebravam no campo de
guerra. Hoje em dia, o judô perdeu muito das técnicas antigas, uma vez que os
lutadores treinam para ganhar o ouro olímpico tendo de obedecer a uma grande
quantidade de regras e tempo de luta.
Na Kodokan eram realizadas lutas de judô todos os
meses. Maeda fez a sua primeira em 25 de dezembro de 1898. Vestindo a
faixa-branca, ele derrotou facilmente cinco ou seis oponentes. E no mesmo dia
foi promovido à faixa-roxa. Começava ali uma trajetória incrível. Naquele mesmo
dia, Maeda seguiu vencendo todos os oponentes que surgiram a sua frente até
que, depois de derrotar 15 adversários seguidos, recebeu o primeiro grau da
faixa-preta. Desconfia-se que Maeda treinou afinco durante meses antes de
tentar a sorte na Kodokan, pois não queria arriscar não ser bem sucedido.
Homem de porte mediano para os padrões japoneses da
época, seus 1,64m e 68kg não era o que poderia se chamar de atleta intimidador.
Adorava beber saquê e cantar e não se fazia de rogado quando desafiado no meio
da rua para uma briga. Não demorava a derrubar e nocautear o petulante que
ousou cruzar seu caminho. Em constante evolução, foi promovido ao terceiro grau
da faixa-preta em 1901 e se tornou instrutor de judô nas universidades de
Tóquio, Waseda e Gakushuin, isto sem falar da escola militar onde também ministrava
aulas.
Em 1904, Mestre Jigoro Kano aconselhou Maeda a
viajar para os Estados Unidos a fim de mostrar aos yankees as habilidades das
artes marciais japonesas. Antes de partir, recebeu o quarto grau das mãos de
seu mestre.
Mitsuyo Maeda deixou o Japão através do porto de
Yokohama em novembro, acompanhando Tomita Tsunegiro e Satake Nobushiro, dois
mestres mais experientes que Maeda. A comitiva chegou a São Francisco, na
Califórnia, pouco antes do fim do ano.
Naquela época, os norte-americanos já conheciam um
pouco sobre judô, uma vez que o então presidente, Theodore Roosevelt era um
grande fã do povo japonês e de sua cultura, chegando a ter um instrutor
particular de judô chamado Yoshiaki Yamashita. Em busca de melhorar a defesa
pessoal, alguns militares americanos também já aprendiam judô em suas bases.
Logo, cabia a Maeda e seus companheiros lutar contra os norte-americanos e
provar a superioridade japonesa.
Na famosa escola militar de West Point, Maeda
enfrentou um jogador de futebol americano e praticante de wrestling. Depois de
suas costas grudadas ao chão, o que nas regras do wrestling daria a vitória ao
americano, Maeda continuou lutando e venceu o combate com uma chave de braço.
Os americanos não aceitaram o resultado e propuseram um novo desafio, desta vez
contra o companheiro de Maeda, um experiente aluno de Kano chamado Tomita. Os
yankees acreditavam que enfrentar Tomita seria uma honra maior por se tratar de
um lutador melhor [na verdade, Tomita era muito melhor professor do que
realmente lutador].
Para desespero de Maeda, seu parceiro foi
facilmente derrotado, e de forma embaraçosa para qualquer praticante de judô ao
ser imobilizado pelo norte-americano. Aquilo foi demais para Maeda, que rompeu
com Tomita e decidiu seguir viagem sozinho.
A opção então foi rumar para Nova York, onde
participou de várias lutas de vale-tudo para ganhar dinheiro. Na primeira,
diante de um westler 20 centímetros maior e que gostava de ser chamado pela
alcunha de “O menino açougueiro”, Maeda derrubou o oponente várias vezes antes
de finalizar na chave de braço. Três lutas e três vitórias depois, uma delas
diante do então campeão mundial dos pesos pesados de boxe, Jack Johnson, Maeda
iniciava a tradição que seria seguida no Brasil por Helio Gracie e seus
discípulos em derrotar adversários muito mais altos e mais fortes. Os Estados
Unidos já estavam pequenos demais para ele.
Três anos depois, em 1907, Maeda rumou para o Reino
Unido, onde venceu mais 13 lutas e em seguida para a Bélgica, onde fez mais uma
vítima. Era hora de voltar à América. E o destino foi a ilha caribenha de Cuba.
Lá, muito antes de Fidel Castro sonhar em assumir o poder, quem mandava era
Maeda. Foram ao todo 15 vitórias, em dois períodos intercalados por uma rápida
passagem pelo México onde derrubou mais quatro adversários. É importante
ressaltar que estas são apenas as lutas oficiais. Não estamos falando de
desafios feitos no meio da rua. Se contados lutas, só em Cuba foram mais de
400.
Essa postura desafiadora de Mitsuyo Maeda
conflitava com os princípios da Kodokan, e ao ganhar notoriedade passou a
classificar sua arte puramente como Jiu-Jitsu e não mais Judô.
Depois de muito viajar pelo mundo, em 1914 Mitsuyo
Maeda desembarcou no Brasil, mais especificamente em Santos. Pouco ficou na
cidade do litoral paulista, indo se fixar em Belém.
Entre idas e vindas ao Reino Unido, Nova York e
Cuba, Mitsuyo chegou usar o nome de Yamato Maeda. Yamato é um nome antigo de
Japão, e usava este nome quando representava o país mundo afora. Mas foi na
Espanha que passou a ser chamado de Conde Koma, nome da academia de judô que
fundou na capital paraense e pelo qual ficou conhecido no Brasil. Em sua
academia, Maeda ensinava Jiu-Jitsu como uma técnica de defesa pessoal para
lutas de vale-tudo.
No início dos anos 20, o já famoso Conde Koma se
envolveu na fracassada tentativa do império japonês de colonizar a Região Norte
do Brasil. Acuado, foi ajudado por um homem com grande influência política,
chamado Gastão Gracie, cuja família havia imigrado da Escócia. A amizade entre
os dois cresceu e certo dia Gastão fez uma oferta a Maeda: queria que ele
ensinasse Jiu-Jitsu a seu filho Carlos.
Conde Koma morreu no dia 28 de novembro de 1941,
aos 63 anos. Estima-se que ele tenha feito entre mil e duas mil lutas,
enfrentando wrestlers, pugilistas e praticantes de outras lutas, sem perder um
único combate. Muitos imigrantes japoneses e amigos brasileiros compareceram ao
funeral para agradecer ao mestre que havia tocado suas vidas de maneira tão
determinante. Desde aquele dia, Mituyo Maeda, ou simplesmente Conde Koma,
descansa em paz no Cemitério de Belém, no Pará.
UM DISCÍPULO DE
SOBRENOME GRACIE
Foi depois da fracassada tentativa do império
japonês de colonizar o norte do território brasileiro que nasceu a amizade
entre Conde Koma e Gastão Gracie, patriarca de uma família de imigrantes
escoceses que havia se fixado em Belém. Em retribuição à acolhida no momento em
que era grande a rejeição aos japoneses no Brasil, Koma passou a ensinar sua
arte ao mais velho dos filhos de Gastão, Carlos. São poucas e conflitantes as
informações a respeito deste período, mas o fato é que Carlos foi aluno de Koma
por não menos do que dois anos e não mais do que quatro.
Durante este tempo, o japonês ensinou ao irmão de
Helio os princípios fundamentais do Jiu-Jitsu, como o de utilizar a força do
oponente como arma para a vitória, bem como técnicas eficientes para vencer em
lutas de vale-tudo. Seu método de luta principal era usar chutes baixos e
cotoveladas para se aproximar do adversário antes de levá-lo para o chão. Nos
treinamentos, botou em prática o “randori”, treino à vera que havia sido banido
por Jigoro Kano em suas aulas.
Anos depois, em 1925, Carlos Gracie abriu sua
própria academia de Jiu-Jitsu. Para os seus alunos, passou ensinamentos e
métodos desenvolvidos por ele próprio através dos anos. Enquanto isso, Maeda
seguiu viajando pelo Brasil e pelo mundo. Ensinadas as técnicas básicas e a
visão estratégica que um lutador necessita para vencer, não havia muito mais o
que fazer. Estava passada aos Gracie a missão de desenvolver o Jiu-Jitsu.
Fonte: www.ishindo.org.br
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